Dando continuidade ao levantamento de teses e dissertações da Universidade de São Paulo iniciado semana passada, avançamos agora para a década de 1990, quando o volume de pesquisas ligadas a quadrinhos aumentou razoavelmente em relação aos anos anteriores.
E, como era de se esperar, surgiram os primeiros problemas em nosso projeto de catalogação 😅
Lembrando um pouco a explicação que demos anteriormente: Estamos fazendo uma pesquisa por palavras-chave ligadas a quadrinhos e humor gráfico, o que, naturalmente, pode dar alguns “falsos positivos”. Por exemplo, teses que tenham “quadrinhos” no resumo, mas com isso sendo algo secundário ou marginal à pesquisa.
Um exemplo concreto que pode ser citado é a pesquisa Escala de faces para avaliação da dor em crianças: etapa preliminar, de Maria Tereza Claro, que usa imagens da Mônica e do Cebolinha (segundo a autora, solicitadas diretamente a Mauricio de Sousa) para estudar estratégias de avaliação de grau de dor em crianças (ou seja, os personagens das HQs estão lá apenas como apoio para o estudo).
Outro exemplo é As barbas do Imperador: reflexões sobre a construção da figura pública do monarca tropical D. Pedro II, de Lilia Moritz Schwarcz, que usa, entre diversos outros elementos, as caricaturas da época de Dom Pedro II para estudar como foi construída a imagem do imperador. A título de curiosidade, essa pesquisa virou um livro que, posteriormente, teve uma versão em quadrinhos ilustrada por Spacca (ainda assim, a tese propriamente dita não é sobre quadrinhos nem humor gráfico).
O problema, contudo, é que em alguns casos temos resumos que citam temas relacionados a quadrinhos e humor gráfico (às vezes até com esses termos explicitamente na lista de assuntos), mas o próprio resumo deixa alguma margem para dúvidas sobre o real foco da pesquisa. Uma leitura da tese resolveria o problema, mas lembremos que são poucas as obras antigas já digitalizadas.
Um caso que me deixou sem ter 100% de certeza foi a dissertação E uma vez em branco e preto – o sufoco dos juvenais, de Sergio Mekler. Segundo o resumo, foi um trabalho de caráter experimental, que trazia uma narrativa “expressa através de uma linguagem com características das fotonovelas, das histórias em quadrinhos e do cinema”. Mesmo com o orientador tendo sido Antônio Luiz Cagnin, preferi colocar essa pesquisa na lista com uma observação sobre a necessidade de que eu tenha acesso a ela antes de poder afirmar de forma segura que se enquadra no objetivo de nosso levantamento bibliográfico.
Outras pesquisas que se enquadram nesse caso (naturalmente, sem versões digitalizadas) são:
Chapéus de palha, panamás, plumas, cartolas, rigalegios: a caricatura na literatura paulista 1900/1920, de Sylvia Helena Telarolli de Almeida Leite (1992)
Propaganda subliminar visual gráfica: dos iconesos ao subtexto – um estudo de caso, de Flavio Mario de Alcântara Calazans (1993)
Estudo contrastivo da língua portuguesa: Brasil/Portugal para um modelo semântico, de Regina Helena Pires (1993)
Conceitos e compreensão de leitura do surdo no contexto da educação especial, de Maria Sílvia Cárnio (1995)
Claro que também temos pesquisas que não deixam margem para dúvida. Contudo, com uma única exceção, nenhuma está digitalizada, o que nos impede de ter “mini resenhas” sobre elas:
Momentos da história do Brasil através da caricatura, de Genny Abdelmalack (1991)
Lucchetti & Rosso, dois inovadores dos quadrinhos de horror, de Marco Aurélio Lucchetti (1993)
Charge, de Aucione Torres Agostinho (1993)
Narração e ruptura no texto visual do Shojo-Mangá: estudo das histórias em quadrinhos para público adolescente feminino japonês, de Yoko Fujino (1997)
O humor é coisa séria: tradução de tiras: exemplificando com Frank e Ernest, de Lélia Silveira Melo Souza (1997)
De qualquer forma, como dissemos acima, ao menos uma tese do período relacionado aqui teve versão digitalizada: Invenção do humor no espaço gráfico, defendida por Sérgio Régis Moreira Martins em 1993 (clique na imagem da capa ao lado para acessar o PDF).
Esta pesquisa, realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, se preocupa em explicar de forma detalhada o conceito de “humor” e analisar as artes gráficas de uma forma bastante ampla, incluindo pinturas cubistas, fontes tipográficas e outras questões não diretamente conectadas com o humor gráfico.
Claro que é fundamental entendermos o contexto histórico, pois no início dos anos 1990 esse era um terreno pouco explorado em forma de teses ou dissertações no meio acadêmico (na bibliografia desta pesquisa, por exemplo, tem apenas a citação a uma única outra tese, da PUC-SP, sobre charges), então é compreensível um capítulo inteiro dedicado a, segundo o autor, “influências internacionais significativas”.
De qualquer forma, segue-se um capítulo com um histórico mais voltado à produção de humor gráfico propriamente dito, com foco no Brasil e citações a Angelo Agostini, J. Carlos, Belmonte, Voltolino e vários outros nomes bem conhecidos de quem se aventura a pesquisar sobre o assunto.
Embora o autor siga comentando sobre tipografia e temas afins, misturando as informações sobre caricaturas e cartuns, já há um aprofundamento no tema, incluindo o uso do clássico História da Caricatura no Brasil, de Herman Lima, como fonte bibliográfica.
Por fim, a tese tinha como foco primordial demonstrar não apenas o histórico do humor gráfico, mas todas as questões ligadas às artes gráficas de forma geral como pontos de partida para a criação do que seria o humor gráfico brasileiro. Novamente, dentro do contexto histórico em que a tese foi defendida, o conteúdo é bem completo e detalhado, sendo um recorte bem específico. Vale uma leitura pela curiosidade de se observar um “pontapé inicial” da pesquisa sobre esse tema no Brasil.